Recebi este texto de uma amiga, Celeste Marcondes. Achei-o tão emocionante que o traduzi para o francês.
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À luz das estrelas
Celeste marcondes
Lá, entre as estrelas, eles estão felizes nos vendo aqui cansados porém contentes com a colheita. O prêmio da labuta intensa? Deitar e sonhar com eles, meus avós, meu irmão, um dos nossos companheiros. Nos deixou tão cedo, desaparecido na luta pela vida da floresta... Era a paixão do meu avô.
A vida da gente vai, gira e volta. Um recordar calmo, doce. Sai de dentro do peito, não é do pensamento. Não dá para explicar. Falar desses tempos? Talvez eu possa falar um pouquinho do pouco que ainda dá pra contar. Nascimento e morte...
Na hora em que nasci, minha avó estava dentro de um avião, sobrevoando a floresta amazônica, em meio a uma tempestade. Seu destino, o Amapá. Em pânico, pedia aos deuses para não morrer antes de me ver. Os Deuses não ouviram suas preces.
Eu já me chamava Isa. Meu pai insistira para que fosse Tatiana, um nome tão russo... Talvez, porque Tatiana fosse um nome forte como os ventos das estepes, como a força com que o semear a terra atrai os homens desprovidos de tudo... Ou, talvez, resquício de suas leituras. Quando menino, no exílio, lera os “Contos russos”, livros infantis que a União Soviética distribuía, em espanhol, no Chile de Allende.
Tudo isso quem me contou foi meu avô.
Nasci em dia de tristes lembranças... quase touro como meu avô e minha avó. Anos e anos depois, me contou: “Nesse dia as notícias mostravam as capitais avermelhadas pelas bandeiras carregadas por mãos de homens corajosos e lutadores como sua avó e os companheiros dela. Cultos ecumênicos e passeatas pediam justiça pela morte, a dois anos, dos sem-terra em Eldorado de Carajás no Pará.”
E em voz baixa, parecia voltar no tempo e continuou me contando como pensava em mim enquanto participava da história do meu país. “Marchei com eles o dia todo, cheguei em casa pela madrugada, feliz, meio vitorioso, com tão pouco. Há momentos que a morte e a vida, na luta pela terra de Deus, se confundem ... Quando me disseram que você já estava entre nós, chorei e escrevi em um pedacinho de papel: “Bem vinda, netinha, a esse mundo que já está um pouco melhor com você por aqui”.
Eu tinha uns vinte anos quando tivemos esse encontro. Segurava minha mão, falava baixinho e tranqüilo, ali na Biblioteca Monteiro Lobato. Ficamos horas mexendo nos livros e lendo. Embora tivesse sido político a vida inteira nunca tivera dinheiro para me comprar os tantos livros que desejara me dar. Foi um personagem da história desse país. Lutou ao lado do Joaquim Câmara Ferreira, o velho. Uma vez, deixei escapar isso na aula de História e o professor me procurou para pedir detalhes da vida do meu avô. Não sei muita coisa, nossos encontros eram clandestinos. E muito cedo escolhi fazer minha vida no campo, na terra, na mata.
A minha avó eu não a conheci. Ela escreveu uma história para mim antes de morrer. “Nunca te vi mas sempre te amei”, o título de filme inglês, resume tudo que ela colocou no conto. Em vez de falar sozinha, como os velhinhos, escrevia como seria a vida dela se pudesse me ver. Sonhava com as histórias que me contaria, com as músicas que cantaríamos e com as fotografias que ela teria tirado. Muito triste para quem ler. Para mim vale muito. É bom saber que alguém gostou tanto da gente mesmo sem conhecer.
Meu irmão, o companheiro herói do povo da terra, antes de se acomodar entre as estrelas, foi nosso sol. Para falar dele seriam preciso muitas noites como esta, milhões de estrelas e o ruído do silêncio da natureza. Um belo exemplar da biodiversidade... filho do primeiro amor brasileiro de meu pai, uma professora de história..., ele foi a paixão do meu avô. Era vinte anos mais velho que eu. Devolveu ao mundo, ao povo, o carinho imenso que recebeu por nascer. Foi meu “muso” inspirador, minha noite de luar, minha canção preferida...Nunca fez discurso ou ditou regras... Era de uma calma irritante... adorava o mar. Poderia ter sido marinheiro, velejador, pescador. Foi comandante. O nosso comandante nas terras da Amazônia entre águas e florestas. Sua sabedoria pouco a pouco invadiu os igarapés mais emaranhados. Na última vez que o vi, repetiu uma frase do personagem de Pedro Páramo: “Vá até Comala e dele cobre caro a solidão em que nos deixou”.
E aqui estamos nós, minha gente. E eu, sem nunca esquecê-los, sabendo de quem cobrar, buscando...como ...
dimanche 30 septembre 2007
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